O «blue jeans» das 4 Rodas



COM A «QUATRELLE», nome pela qual tornou popularmente conhecida, a Renault tinha não só como objectivo criar um veículo polivalente e barato, logo popular, mas, não menos importante, concorrer com o rival Citroën 2CV.
Ao contrário do Volkswagen e do Mini, que partiram da genialidade de dois grandes senhores da história do automóvel, o Renault 4 é produto do trabalho de uma equipa e da vontade de um homem.
Pierre Dreyfus, na altura presidente da Regie Renault, olhando para o panorama social da Europa de então, pediu ao departamento criativo «um carro diferente, cómodo, que sirva para todo o trabalho, com quinta porta traseira e que agrade a todos os clientes do mundo com poucos recursos». «Quero um veiculo que seja como um "blue jeans", totalmente versátil, para toda a ocasião e que não passe de moda...».

E 4 É MESMO um número mágico para o construtor francês. Pouco tempo depois de terminada a II Guerra Mundial, a nacionalizada Renault lançou um modeloque gozou de enorme simpatia, o Renault 4 CV, vulgarmente conhecido por «joaninha». Em finais dos anos 50, o Renault 4 CV custava cerca de 399 mil francos franceses e o Citroën 2 CV, 346 mil. Uma das premissas do caderno de encargos do novo modelo era que o seu preço se situasse nos 350 mil francos.

O PROJECTO 350, designação que recebeu o caderno de encargos da sua concepção, apontava para uma viatura robusta, mais confortável e mais ampla que o 2 CV, mas igualmente de concepção simples, fiável e versátil nos mais variados tipos de piso.
Como qualquer modelo que pretenda fazer história, o carro deveria ser dotado de uma estética fortemente personalizada e de conceitos inovadores. O modo de abertura da quinta porta e o plano de carga isento de arestas, cumpriram a função em termos estilísticos, acabando mesmo por ser adoptado por muitos outros modelos. Mas, para lá chegar, os técnicos depararam-se com bastantes desafios. Para dotar o habitáculo com mais espaço rapidamente se chegou à conclusão que tanto o motor como a transmissão deveriam ser dianteiros; e na suspensão traseira aplicaram-se barras de torção transversais, rodas independentes e amortecedores, numa curiosa posição quase horizontal. Intrigante e provavelmente ainda hoje inédito é o facto de a distância entre eixos ser superior em 48 mm do lado direito.

ESTE APARENTEMENTE simples truque da engenharia mecânica, que se manteve praticamente inalterado durante toda a vida do Renault 4, seria um dos responsáveis pelo à-vontade e robustez demonstradas em qualquer tipo de piso e pelo comportamento, independentemente da carga transportada.
Depois de estudadas as possibilidades de criar um motor de dois cilindros com cerca de 600 cc, a escolha recaiu no propulsor de 747 cc que equipava o «joaninha», por ser a mais económica e fiável das soluções. A caixa de três velocidades tinha apenas a segunda e a terceira sincronizadas. O comando ficou em posição semelhante ao do dois cavalos... Para além das suspensões flexíveis, o R4 possui ainda mais duas inovações: um circuito de refrigeração hermético e selado, com um líquido especial colocado uma única vez na altura da montagem. Foi igualmente o primeiro a suprimir os pontos de lubrificação, graças à adopção de rótulas esféricas e de juntas e articulações era grafite e em borracha. Para a manutenção periódica da viatura bastava, pois, verificar e atestar o nível do óleo do motor e da caixa de velocidades. Além de um pouco de gasolina, claro...

O VEÍCULO que se pretendia fosse como um «blue jeans», versátil, intemporal e para todas as ocasiões, recebeu o nome de Renault 4. De concepção simples, fiável e versátil nos mais variados tipos de piso, o R4 tinha não só uma estética fortemente personalizada, como trazia consigo uma série de conceitos inovadores na industria automóvel, fosse o modo de abertura da quinta porta ou o plano de carga isento de arestas, um circuito de refrigeração hermético e selado, bem como a supressão dos pontos de lubrificação, que lhe facilitavam a manutenção.
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OS PRIMEIROS protótipos entraram em testes nos finais de 1959. O nome de Renault 4 provém dos 4 cavalos fiscais que possuía. Os testes decorreram nas mais variadas situações, desde o mau piso da Sardenha ao frio do estado norte-americano do Minesota, passando pelo calor árido do deserto do Sahara.
Quando o empregado de uma estação de serviço norte-americana viu o novo modelo, exclamou: «que carro se esconde por debaixo desta estranha camuflagem?»
E a aparência era mesmo bastante inédita, deselegante e até bizarra para os cânones estilísticos da altura, principalmente pela secção traseira quase vertical.
Desde logo, o Renault 4 evidenciou uma clara versatilidade para todo o tipo de terreno, mesmo se a fraca potência do motor e a tracção dianteira, pareciam factores inibidores de grandes aventuras.
A reacção dos concessionários e representantes da marca foi de total desagrado e descrédito: um carro com aquela forma nunca se venderia, achavam eles!
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1961 FOI O ANO que marcou o fim da produção do Renault 4 CV (joaninha)e o escolhido para o lançamento do seu sucessor, o Renault 3 e o Renault 4. A 3 de Agosto, é oficialmente produzido o primeiro R4, e, na apresentação à Imprensa, foram propositadamente escolhidos os percursos mais duros. As opiniões dificilmente poderiam ser mais favoráveis. O público conheceu-o no Salão Automóvel de Paris desse ano, através de uma inédita acção promocional: na exposição poderia ser experimentado num circuito de todo o terreno contíguo ao salão, enquanto em Paris, os franceses eram convidados a dar uma volta com o carro, por onde quisessem, ao longo das ruas da capital. De notar que este tipo de lançamento de um novo automóvel não era habitual na altura, tal como a criativa campanha publicitária que lhe sucedeu.
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AS INÚMERAS VERSÕES que conheceu ao longo dos 31 anos de produção, atestam bem a aceitação que o carro teve... e ainda tem. O carisma, a versatilidade do espaço e de condução e uma fácil e nada complicada manutenção, além de pouco dispendiosa, foram as principais razões do seu sucesso. Actor de cinema, viajante empedernido, arma de trabalho, companheiro de férias, missionário em África, camelo no deserto e aristocrata em Paris, Londres ou Roma, a tudo e a todos o R4 se adaptou. O «blue jeans» de Pierre Dreyfus cumpriu a sua função, impondo uma moda e um estilo de que muitos poucos automóveis se podem orgulhar de ter conseguido!
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CURIOSIDADES!
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* Os planos do que seria a segunda geração do R4, começaram ainda antes de a primeira ter sido lançada; os primeiros protótipos apresentavam uma orientação estética oposta ao grande sucesso estilístico do mercado francês da altura, o Renault Dauphine.

* Existiu também a versão de 603 cc e 22,5 cv, com o mesmo bloco mas com cilindros de menor diâmetro. O Renault 3 CV, como foi designado devido à potência fiscal, destinava-se ao mercado francês e seria o concorrente mais directo do Citroen 2 CV.

* Em paralelo com a versão de passageiros, foi criada uma outra essencialmente de carga, a Fourgonette. Para além da originalidade do conceito de pequeno furgão, inaugurou também a pequena abertura na parte traseira do tejadilho, denominada girafon, porque nos primeiros anúncios do modelo era utilizada uma girafa para demonstrar a utilidade desta porta no transporte de objectos mais longos.

* A plataforma versátil deu também lugar a sedutoras ou estranhas formas de carroçaria, desde modelos descapotáveis, jipes (chegou a existir uma versão de quatro rodas motrizes), carrinha de caixa aberta e até um pseudo Fórmula 1!

* Tal como o carro em si a publicidade era igualmente simples e eficaz

* Com mais de oito milhões de unidades é um dos carros mais vendidos de sempre.

* Menos de sete anos após o lançamento, já o construtor procurava um sucessor. A intenção nunca foi confessada, talvez porque o Renault 6, lançado em 1968, nunca conheceu a mesma popularidade.

* Um comunicado da altura descrevia assim o modelo: «não interessa o quanto se puxe por este motor, ele nunca demonstra stress».

* Conheceu inúmeras versões. Uma das mais elegantes surgiu cerca de dois anos depois e foi denominada Parisiense. Esta promoção, lançada em conjunto com a revista Elle, foi um claro piscar de olhos à potencial clientela feminina, ou não tivesse parte da carroçaria revestida com um tecido em tom palha ou padrão escocês.

* Se quisermos encontrar um paralelo de sucesso na história do construtor francês, o exemplo mais próximo é o do Renault 5, apresentado em 1972.Vale a pena referir este modelo, pela história curiosa que rodeou a sua criação, directamente relacionada com o Renault 4. O R5 nasceu quando um dos projectistas da marca francesa, encontrou por acaso uns esquemas do R4. Começou a desenhar por cima dos esboços limando arestas e, subitamente, reparou que tinha criado um novo carro, mais baixo, arredondado e compacto, mas também mais amplo. Os colegas adoraram o resultado e bastaram apenas dois dias para se construir uma maqueta de tamanho real, enquanto, em comparação, tinham sido necessários 27 modelos para se chegar à forma definitivado R6!

* A exemplo do Volkswagen e do Mini, o Renault 4 chegou até aos nossos dias. A sua produção foi descontinuada em 1992 e, em 1997, a Renault apresentou o Kangoo, estabelecendo uma ponte com o seu mítico modelo. Para além da forma, uma porta fazia a diferença. Desta vez era a lateral e, curiosamente, o Kangoo aproxima-se da forma e do conceito de outro carro lançado pouco tempo antes. Talvez não por acaso, esse carro é um Citroën..

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